O bicudo-vermelho (Rhynchophorus ferrugineus) é uma praga quarentenária de categoria A1 com alto potencial destrutivo para palmeiras. Com origem no sudeste asiático, essa espécie tem se espalhado rapidamente pelo mundo, representando uma séria ameaça à flora nativa e à economia agrícola brasileira. Neste artigo, o Engenheiro Agrônomo e Paisagista, Juliano Borin, registra um caso real de infestação identificado em Nova Lima (MG) e os aprendizados obtidos a partir dessa ocorrência.
A descoberta em Nova Lima e os primeiros sinais da praga
Em dezembro de 2024, fui chamado para realizar uma verificação fitossanitária em uma palmeira Phoenix canariensis em Nova Lima, Minas Gerais. A situação era alarmante: a planta já não apresentava chances de recuperação. O Rhynchophorus palmarum, conhecido como besouro-bicudo-preto ou broca-do-coqueiro, nativo do Brasil, havia causado danos severos. Mesmo após a remoção das áreas comprometidas, a palmeira não resistiu. Na limpeza da coroa, encontramos apenas as brocas nativas.
A partir disso, passei a acompanhar as outras oito palmeiras canariensis da mesma propriedade. Com experiência em endoterapia adquirida ao longo de dois anos de trabalho no Instituto Inhotim, utilizei os mesmos cateteres aplicados em plantações de coqueiros no Nordeste brasileiro, inserindo um em cada planta e estabelecendo um cronograma de retorno a cada quatro meses para avaliação e reforço do tratamento.
Um sinal inesperado
Três meses depois, o jardineiro da residência enviou imagens de folhas medianas caídas de uma das palmeiras. Apesar de ser um alerta, considerei que a proteção preventiva contra a broca-do-coqueiro estava sendo eficaz. Contudo, na semana seguinte, novas folhas — desta vez mais jovens — também haviam caído. Decidi visitar a propriedade e solicitar uma limpeza completa da coroa.

Durante a limpeza, o jardineiro escalador encontrou besouros. “Tem uns besouros aqui, vou jogar pra baixo”, disse ele. Caíram alguns besouros pretos, identificáveis como o Rhynchophorus palmarum, e outros de cor alaranjada-avermelhada. Tirei fotos e enviei para colegas agrônomos. Em poucos minutos, Ricardo Pimenta e Leandro França retornaram a ligação: tratava-se do temido bicudo-vermelho (Rhynchophorus ferrugineus).
Um inimigo conhecido da Europa
O nome bicudo-vermelho me soava familiar. Eu já havia lido sobre sua devastação na Europa. Imediatamente, coletei os besouros em uma garrafa plástica e os congelei para enviá-los ao Instituto Biológico de São Paulo. A palmeira foi sanitizada e todos os insetos e larvas foram eliminados manualmente.
Ainda intrigado, refleti sobre como os besouros atacaram uma planta sob tratamento preventivo com endoterapia. Uma possibilidade é que fibras mortas ou danificadas ao redor dos cateteres estivessem impedindo a eficácia do transporte dos defensivos. Outra hipótese é que o manejo aplicado, voltado à broca brasileira, não tenha sido suficiente para conter o R. ferrugineus.
Confirmação do bicudo vermelho no Brasil
Dias depois, o professor Dr. Francisco Zorzenon, do Instituto Biológico, confirmou oficialmente a presença do bicudo-vermelho em uma palmeira canariensis já estabelecida em Nova Lima, MG. Uma notícia alarmante, já que essa é uma praga quarentenária de nível A1.
A notícia causou grande comoção entre membros da Sociedade Brasileira de Palmeiras (SBP) e rapidamente mobilizou especialistas e órgãos governamentais. Enviei um relatório oficial ao MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária), relatando a ocorrência da praga.



O cenário no Uruguai: um alerta com bons aprendizados para o Brasil
Nas conversas com colegas, encontramos informações no Instagram da empresa uruguaia Equitec, que relatava um surto da mesma praga em território uruguaio. Descobrimos que, por volta de 2019, o Uruguai exportou Phoenix canariensis para a China, e uma planta retornou ao país após ser rejeitada devido à presença de R. palmarum. Acredita-se que ela tenha sido contaminada com o bicudo-vermelho e reintroduzida na América do Sul.
Em 2022, começou a mortalidade em massa de palmeiras canariensis no Uruguai. Com o apoio da SBP, organizei uma visita técnica ao país vizinho, para acompanhar de perto o trabalho preventivo que estava sendo realizado com a equipe da Equitec.
Foram quatro dias de muito aprendizado sobre metodologias testadas e eficazes. Em Punta del Este, vimos plantas sadias e protegidas. Em contrapartida, em Canelones, onde adotaram soluções mais baratas e de baixa qualidade, centenas de palmeiras morreram. Como o bicudo-vermelho possui grande capacidade de voo, uma planta infectada pode ameaçar um raio de até 5 km.


Foram quatro dias de muito aprendizado sobre metodologias testadas e eficazes. Em Punta del Este, vimos plantas sadias e protegidas. Em contrapartida, em Canelones, onde adotaram soluções mais baratas e de baixa qualidade, centenas de palmeiras morreram.





Entendendo o inimigo: Rhynchophorus ferrugineus
Originário do Sudeste Asiático, o bicudo-vermelho se espalhou globalmente por meio do comércio de palmeiras. Seu ciclo de vida pode durar apenas 45 dias em clima quente. Uma única fêmea pode colocar até 500 ovos por vez. No Brasil, esse besouro representa um enorme risco não apenas para o paisagismo, mas para o agronegócio e para a biodiversidade nativa.
As Phoenix canariensis são apenas o início: o bicudo-vermelho tem amplo espectro de hospedeiros e pode afetar centenas de espécies, incluindo coqueiros (Cocos nucifera), açaizeiros (Euterpe oleracea), carnaúbas (Copernicia prunifera), buritis (Mauritia flexuosa) e muitas outras palmeiras de valor ecológico, econômico e cultural.
A urgência da mobilização
Se o Brasil não agir com rapidez e inteligência, poderemos perder espécies essenciais para a paisagem e a economia nacional. É necessário:
- Suspender imediatamente a importação de palmeiras do Uruguai;
- Adotar o manejo integrado com as melhores práticas disponíveis;
- Iniciar programas de monitoramento e contenção da praga;
- Proteger prioritariamente as canariensis, mais suscetíveis ao ataque;
- Promover treinamentos técnicos sobre endoterapia e controle biológico;
- Apoiar viveiros e paisagistas com informações atualizadas.
Um chamado à ação contra o bicudo-vermelho
A chegada do bicudo-vermelho ao Brasil é uma ameaça concreta à nossa biodiversidade e ao setor do paisagismo. O país possui mais de 260 espécies nativas de palmeiras, e precisamos garantir sua preservação com responsabilidade e urgência.
Se você é paisagista, agrônomo, viveirista, gestor ambiental ou apenas alguém que se preocupa com o equilíbrio da natureza brasileira, compartilhe esta informação. A hora de agir é agora.
📩 Quer saber mais sobre manejo e tratamentos preventivos contra o bicudo-vermelho?
Entre em contato: juliano@naturezaepaisagem.com
🖼 Imagens: Natureza & Paisagem – Juliano Borin
✍️ Juliano Borin
MSc. Eng. Agrônomo
Presidente da Sociedade Brasileira de Palmeiras

SINTHIA FERRARI PIRES disse:
muito bom esse artigo. obrigada por compartilhar informações tão relevantes.